O gestor público brasileiro, responsável por cumprir o que determina o artigo 11, da Lei de Responsabilidade Fiscal se vê, muitas vezes, em apuros. Especialmente pelos custos elevados com a realização de recadastramentos, restando, como opção de menor custo e rápido resultado a utilização de dados cadastrais de seus contribuintes obtidos junto a terceiros.
Este texto vai analisar o assunto sob o ponto de vista jurídico e prático:
1) RECADASTRAMENTO IMOBILIÁRIO - é a opção mais tradicional envolve a contratação de uma empresa terceirizada, que obtém os dados diretamente junto ao imóvel do contribuinte, medindo cada imóvel em visita presencial. Pode ser mitigado com opção eletrônicas, tais como o georreferenciamento e o acompanhamento via imagens do Google (adquiridas para esse fim).
Pontos negativos: altíssimo custo, possibilidades de erros e dificuldade de acesso aos contribuintes, que nem sempre são encontrados em seus imóveis no momento da visita, especialmente em se tratando de imóveis não edificados (terrenos).
Pontos positivos: o representante do Poder Público visita cada contribuinte pessoalmente, nível de precisão na metragem maior.
2) GEORREFERENCIAMENTO - é uma opção já tradicional, que pode ser complementar, também tem alto custo, não é de longa implantação (curto prazo), nessa opção as imagens são obtidas via foto, imagens eletrônicas e até drones.
Pontos negativos: não é aliada à obtenção de dados do imóvel, atualiza apenas a metragem e localização, necessita de trabalho de campo semelhante ao recadastramento.
Pontos positivos: sob as metragens dos imóveis, traz resultados precisos.
3) CADASTROS EMPRESTADOS (data lake) - o data lake é uma tecnologia inovadora, que possibilita ao gestor tributário municipal obter diversos cadastros (saúde, educação assistência social, energia elétrica, internet, Receita Federal, SPC/SERASA e outros), que são lançados e tratados de forma eletrônica. A intervenção humana se dá com a validação dos informes. Pode utilizar a criação de um link entre o cadastro obtido (exemplo cadastro de energia, que tem numeração própria junto ao cliente) com a numeração do contribuinte junto à prefeitura, permitindo a atualização posterior de dados.
Pontos negativos: a metragem necessitaria de um trabalho complementar, já que outros cadastros não informam esse dado.
Pontos positivos: baixo custo, rapidez e segurança dos dados, que são trabalhados.
A operacionalização desse terceiro tipo de atualização de cadastros se dá por meio da obtenção, junto a terceiros (até mesmo aqueles que integram a administração municipal, como saúde, educação e assistência social), dos cadastros por eles elaborados. O sistema data lake irá analisar os dados, obter o que pode ser aproveitado e submeter a análise ao agente público responsável, que terá a opção de validá-la ou não.
O trabalho é feito numa espécie de quebra-cabeças, onde o sistema de informática obtém as peças necessárias e compatíveis, comparando com os dados já existentes no cadastros e permitindo ao gestor, facilitado pela assessoria que recebe do software, para apurar, em análise final, o que é correto e compatível, com o que não é correto.
Exemplo 1: 3 cadastros informam que o imóvel com endereço na Rua das Amélias, 35 está em nome de João Jalisco. Porém, não consta o CPF do mesmo, o que inviabiliza a prática do protesto da CDA e da execução fiscal. Mas o CFP consta do cadastro da empresa de energia e da empresa de telefonia, além de constar no arquivo da saúde municipal. Diante dessa segurança, o gestor pode acatá-lo como válido e inserir a atualização junto ao devedor do IPTU.
Exemplo 2: em 3 cadastros são informados que o possuidor do imóvel localizado na Rua das Acácias, 35, é Maria Oliveira. Ela aparece no cadastro de energia, telefonia e águas, porém seu nome não consta no cadastro da prefeitura. O sistema detectou que no cadastro o nome do proprietário é Paulo Oliveira, que aparece como pai de Maria Oliveira, portanto, é possível considerar que existe uma situação enquadrada no art. 34, do Código Tributário Nacional, evidenciando a posse e que ela é porventura herdeira dele, sendo pessoa capaz de responder pelo débito do IPTU. Será inserida como possuidora do imóvel e constará nas futuras cobranças da prefeitura.
Um dos cadastros de melhor qualidade para fins de atualização dos cadastros municipais é o cadastro de energia elétrica. Isso pelo fato de que são mutáveis ao longo das mudanças que os imóveis sofrem em sua história e sofrem constante atualização por meio das concessionárias de energia e usuários.
Note que no Brasil, em sua grande maioria dos Estados, o serviço de energia é concedido à iniciativa privada, aumentando a eficiência e qualidade desses dados nos últimos anos.
O obtenção dos cadastros depende de parceria entre os entes, que podem se dar, no caso da energia, no âmbito da gestão da COSIP, feita em parceria entre as prefeituras e empresas de concessão de energia elétrica. Geralmente é operacionalizado via envio de ofício da prefeitura para a concessionária de energia, que encaminha os arquivos a serem utilizados no trabalho sistêmico do data lake.
ANÁLISE LEGAL - sob o ponto de vista legal, conforme dispõe o artigo 34, do Código Tributário Nacional, contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.
A jurisprudência tem interpretado que o possuidor é aquele que cuida e trata do imóvel como se ele fosse seu, exercendo o jus domini sobre aquele terreno ou casa. Note-se que a posse é configurada pelo domínio do imóvel (animus domini), o indivíduo usa o imóvel para sua residência, para receber suas contas, a energia elétrica está em seu nome, o serviço de fornecimento de água está em seu nome, além do endereço constar em cadastros da Receita Federal e bancos de dados públicos e privados.
O domínio útil se configura como uma "quase propriedade", segundo a doutrina.
A atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido que o imóvel invadido, fato reconhecido e de conhecimento da administração, isenta o proprietário (aquele que consta no cartório) da cobrança do imposto. Note o que diz essa jurisprudência STJ, constante do Recurso Especial nº 1551.595-SP, cuja íntegra se encontra aqui.
"1. É inexigível a cobrança de tributos de proprietário que não detém a posse do imóvel, devendo o município, no caso, lançar o débito tributário em nome dos ocupantes da área invadida".
E nesse sentido encontramos diversas decisões, escoradas no STJ, no mesmíssimo sentido, refutando qualquer alegação contra a inserção do nome do possuidor no cadastro municipal na condição de responsável tributário.
O gestor municipal de tributos terá que enfrentar esse dilema, vez que o cumprimento do art. 11, da LRF tem sido exigência das análises perpetradas pelos órgãos de controle, haja vista manifestações recentes do TCE/SP, que publicou grande listagem de municípios que descumprem as regras da arrecadação municipal, o mesmo visualizando-se do TCE/RJ, que promoveu inclusive um seminário para expor a questão às prefeituras e pedir solução imediata, sob pena de responsabilização, dos gestores faltosos.
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