terça-feira, 18 de abril de 2017

SÓ AS ADVERSIDADES ENSINAM? - José Souto Tostes


Chris Gardner o ex-mendigo que virou milionário

Diariamente nos deparamos com novos especialistas em alguma coisa, vendas, empreendedorismo, crescimento profissional, tática e tantos outros. Alguns trazem suas credenciais como ex-camelô, ex-catador de lixo, ex-prostituta, ex-técnico campeão, enfim, um exército de pessoas que enfrentaram ou enfrentam adversidades e usam isso como uma espécie de "recheio" do currículo ou passaporte para encarar plateias e ensinar alguma coisa.

Não pensem que descredenciarei esses verdadeiros heróis. Nunca faria isso.

Mas refletir sobre o fato de que o estudo, a pesquisa e a experiência vivida em grandes corporações ou atuando em processos empresariais também levam ao ensinamento.

Esses novos palestrantes atraem plateia, vendem livros e conseguem nos ensinar muito. Mas nada substitui a técnica. Suas gestões iniciam com traço característico de empirismo, sem técnica e sem conhecimento acadêmico, mas, certamente, ao crescerem, para que mantenham-se no mercado, necessitam dos conhecimentos encontrados apenas em livros, estudos e teses científicas. O empirismo pode ter dado fortuna ou vitória a eles, mas não as mantém.

Administrar, projetar carreiras, desenvolver habilidades, exige conhecimento técnico. O conhecimento da história das gestões empresariais, o estudo do homem, sob o ponto de vista da ciência, que é a psicologia, não pode substituir a prática vivida em experiências que deram certo e renderam dividendos ou vitória de seus times.

O tema é muito polêmico, pois pode ser encarado até como agressivo, mas é real e precisamos refletir sobre isso. E a necessidade de refletir é pelo fato de que essas histórias foram vividas em contextos diferentes, em situações diversas da atual. Um exemplo disso é o sucesso do nosso querido técnico campeão, Luiz Felipe Scolari, que na segunda tentativa de dirigir a seleção brasileira, foi um fracasso, levamos uma goleada de 7 da Alemanha. Felipão foi campeão em 2002 e fracassou em 2014.

As condições eram outras, os times que enfrentou eram diferentes. O mesmo podemos dizer do mundo empresarial ou do emprego ou o sucesso de sua carreira. Nem sempre o que deu certo para ele dará certo para você.

Will Smith, o astro americano, viveu nos cinemas o milionário americano Christopher Gardner, que de mendigo tornou-se milionário e hoje dispõe de uma fortuna de US 600 milhões de dólares. A biografia dele é digna de todos os nossos aplausos, vale muito conhecer o filme, mas que se reflita sobre as condições em que ele conseguiu sua fortuna. Qual era a situação econômica vivida pelos Estados Unidos, quem ele encontrou em sua trajetória, como comportou o mercado com sua atuação? São perguntas que merecem ser feitas sempre.

Napoleon Hill entrevistou e estudou a vida de 500 empresários e transformou esse conhecimento em 13 passos que podem ser usados por quem quer empreender. Mas nada garante o sucesso de ninguém. Vide, especialmente, a 13º dica que é confiar em seu instinto. Nada mais subjetivo do que confiar no próprio instituto!

A tudo isso aliamos o fator sorte, que é a ação do acaso sobre nossas vidas. Será que o acaso ajudará todos que seguirem as orientações de Hill? Nem sempre!

Tivesse Felipão negado treinar novamente a seleção brasileira ele seria conhecido como o técnico campeão da Copa do Mundo de 2002. Mas sua segunda tentativa levou-o a ficar conhecido como o técnico que perdeu da Alemanha numa vitória humilhante.

Será que Gardner hoje, se aplicasse sua intuição, sua vontade e garra, tornar-se-ia milionário novamente? Não acredito que ele aceite experimentar.

A administração, a gestão, foi construída com base em experiências e experimentações, redundando em técnicas que hoje são transcritas por vários autores. O pai da nova administração empresarial, Peter Drucker, professor e autor de inúmeras obras, que faz discípulos até hoje, pode ser consultado, ouvido e estudado. Ele não fez mágica em sua carreira empresarial, não caiu de um precipício de mil metros e sobreviveu, nem atravessou do Brasil à África a bordo de um jet ski e nem correu duas maratonas no mesmo dia. Drucker estudou, analisou, pesquisou, para apresentar métodos e técnicas que são aplicáveis a qualquer negócio empresarial. Suas lições são válidas hoje e serão lidas por muitos anos, pois são inovadoras e dão resultados práticos nas empresas que a utilizam.

Não há mágica para ganhar dinheiro, para alavancar a carteira de clientes de uma empresa, nem para atrair pessoas interessadas em negociar com você. O segredo contado em muitas palestras desse tipo é a obstinação, a garra, o empenho, o foco no negócio, o esforço físico e mental e a dedicação integral de corpo e alma visando o objetivo pretendido. Essas pessoas, que passaram por adversidades e venceram, conseguem nos transmitir esses ensinamentos, que são aplicáveis a qualquer situação da vida.

O foco, o empenho, o esforço e a dedicação são os segredos do sucesso de qualquer profissional, seja ele empresário, seja ele profissional liberal, seja ele estudante visando aprovação num vestibular ou pretendendo ser aprovado num concurso público dos sonhos.

Já ouvi um ensinamento dizendo que o diferencial entre um vencedor e um perdedor é a capacidade de sentir dor. O Brasil tem muitos exemplos assim. Sentir dor no sentido mais extenso, inclusive a dor de ter tentado várias vezes e não ter obtido sucesso.

Esses segredos são ensinados nos livros, a adversidade ensina de forma empírica, mediante uma experiência pessoal que sempre nos enriquece e até serve de estímulo, mas a ciência, o conhecimento de administração, seja pessoal, seja empresarial, não são dispensáveis.

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