quinta-feira, 20 de abril de 2017

APRENDI COM MEUS FILHOS - José Souto Tostes


Numa palestra com o consultor de empresas Clóvis Lumertz recentemente, em Santa Catarina, ele contou que como professor universitário, levou para palestrar para sua turma o poeta gaúcho Mario Quintana. Ao chegar à universidade, o frasista e escritor premiado perguntou: "Quem vai me ensinar?" Assustado, Lumertz ficou intrigado se Quintana não estaria ciente de que ele era o palestrante. No que o poeta respondeu: "Se você acha que estou aqui para ensinar na palestra, está enganado, meu interesse é aprender".

Outro palestrante que muito admiro, Waldez Ludwig, famoso por sua vibrantes apresentações, afirmou que os jovens sempre têm muito a nos ensinar. Em tom de brincadeira arriscou: "Se você vai trocar o computador, não peça conselho para a sua mãe, pois o seu equipamento que tem 3 anos, será considerado por ela novinho em folha, pergunte a um jovem, ele saberá o quanto um computador de 3 anos está ultrapassado."

Desde que nasci aprendi que os mais velhos são bons conselheiros, sabem das coisas. Na adolescência tive certeza de que os mais velhos não sabem nada, que eu ia "ganhar o mundo", como disse Cazuza, o ídolo da geração dos anos 80.

Já amadurecendo, observando meus quatro filhos, vejo que eles têm muito a ensinar. E vejo que também fui professor de meus pais aos 14/18 anos. Confesso que hoje vejo que poderia ter aprendido e ouvido muito mais que ouvi. Não que me arrependa, mas que teria errado menos, teria. O bom é saber que não existem fórmulas, que o que dá certo para um, não dá para outro. Em educação não existe "se" ou "e se".

Leandro Karnal disse recentemente em entrevista televisiva, que as gerações sempre acham que a próxima geração será pior que a dela. A nova geração é tida como imediatista, que não cria vínculos e que ouve muito pouco. Não sei até onde o imediatismo é defeito, nem sei se vínculos fracos trarão tristezas,  mas não querer ouvir é um defeito. Embora não veja assim, penso que esses jovens são seletivos no que querem ou não ouvir. Como a minha geração, eles acham que sabem o que querem, portanto, não entendem o motivo de ouvir.

Meus filhos são quatro seres muito diferentes. Agem de forma diferente perante assuntos iguais, interpretam as coisas do mundo de forma diversa e adotam comportamento bem próprio nas situações do dia-a-dia. Uma é mais sensível, mas briga por seus interesses, outra é um leão, mas sabe ser dócil nas horas difíceis, se mostra atenta a tudo, tem visão geral, a outra estourada, tem dificuldades para ouvir, mas interpreta os fatos com precisão e o outro enxerga bem na frente, enquanto ainda estamos atrás, mas teima com intensidade quando está convicto de suas ideias.

E isso com a vida empresarial? Na empresa os colaboradores, nossas maiores joias, são assim e assim devem ser tratados, diferentes de forma diferente. O senso comum não pode operar sempre. As regras bem traçadas substituem as decisões e facilitam o convívio entre os diferentes. Mas cada dançarino dança conforme suas experiências e criatividade.

A empresa e a família não podem conviver com a opressão à criatividade. A empresa e a família devem ouvir, dar atenção, ter interesse em entender. Ouvir não é só com os ouvidos, mas com o rosto demonstrando interesse, com os gestos e refletindo sobre o que está sendo falado.

As próximas gerações, diferentemente da nossa, conviverá com tempos difíceis, com escassez de água, de dinheiro e de cultura. Todo dia o mundo fica mais igual. Para eles as barreiras físicas que separam Brasil do Paraguai não existirão. Os povos terão que estar unidos, independente das características de cada um. Como deve ocorrer com as famílias.

O mundo não tem mais tempo a perder com discussões sexistas, com preferências e escolhas individuais. A família tem que respeitar isso. Se a nova reunião de pais e filhos tiver que ocorrer no Whatsapp, que ocorra. É a realidade.

O importante é se encontrar o equilíbrio que permita a todos sobreviverem com dignidade, amor ao próximo (mesmo que esse próximo seja adepto do islã, do candomblé ou do budismo). A palavra diferente será cada vez menos usada, pois todos são filhos de uma mesma árvore, filhos da terra, do chão, da chuva, dos rios e da produtividade.

Acorde e pense no que você produzirá hoje. Mas não esqueça que amanhã você produzirá algo diferente, que o mundo precisará desse bem, mais do que precisava do bem que você produziu ontem. Multiplicidade é a palavra que substituirá diferença.

Mas se você aprender a ouvir, já está bom!

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