O processo de reeleição vai chegar ao fim sem ser muito bem
compreendido pelos políticos brasileiros. A máxima eleitoral de nossa
legislação é a não utilização da máquina pública, que corresponde aos
benefícios de atendimento da população em proveito de campanhas eleitorais. Em
síntese significa o candidato à reeleição atender com maior carinho o “seu”
eleitor e angariar votos com isso.
Dentre os itens desse beneficiamento a quem é candidato à
reeleição está o uso da propaganda institucional das administrações. Em
detrimento a quem não é ocupante de cargo no Poder Executivo (prefeito,
governador e presidente), o uso da propaganda para difundir o nome do candidato
à reeleição pode ser até um problema grave. Para frear isso a legislação impôs
regras que são bem claras no que tange ao período da propaganda vedade. Sem
definir com a mesma clareza o que pode ser divulgado nesses três meses que
antecedem o pleito eleitoral.
O candidato à reeleição não pode, nos três meses antes da
votação “autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras,
serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou
das respectivas entidades da administração indireta (...)” (Art. 74, V,
“b” – Lei nº9.504/1997)
Esse ano, com a reforma eleitoral, abriu-se a possibilidade
de divulgação da pré-campanha, reduzido de forma drástica o período de
propaganda eleitoral permitida (comícios, distribuição de material gráfico,
rádio, televisão e corpo-a-corpo). Essa redução nas características do que
antes era chamado de propaganda extemporânea vem causando sérias dúvidas.
As dúvidas surgem por ter a nova legislação autoriza, mesmo
nesse período antes do início da propaganda (16 de agosto), “menção
à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos
e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social,
inclusive via internet.” (Art. 36-A – Lei nº 9.504/1997)
O terceiro problema surge por não existir, de forma clara na
legislação, os conceitos de “meios de comunicação social” e “via internet”. Por
exemplo, se é permitida a divulgação via internet da exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos, o candidato à reeleição pode usar os sítios
oficiais para divulgar as obras que fez? Ou tal menção à pré-candidatura e
exaltação de qualidades somente pode ocorrer via sítios dos jornais? A lei não
responde tal questão. Caberá às decisões judiciais definir com clareza as
vedações e incongruências deixadas pelo legislador.
A lei, da mesma forma, não define o que é “campanha dos
órgãos públicos” de forma clara a se separar o que é necessário e obrigatório
do que é promoção que possa configurar benefício ao candidato à reeleição. A
primeira decisão que detectamos veio da capital do Estado de São Paulo, onde o
juiz eleitoral detectou, analisando o sítio da Prefeitura de São Paulo, que este
estaria “promovendo a divulgação de atos,
programas, obras, serviços e campanhas realizados durante a atual gestão”,
concluindo, naquela decisão, que “trata-se de propaganda institucional, paga
com recursos públicos e autorizada por agente público”.
E vai mais adiante o magistrado paulistano, ao afirmar que “ainda que tenham sido inseridas na rede
mundial de computadores antes do período vedado, com o início deste, de lá
deveriam ter sido retiradas”. Ou seja, os sítios municipais devem estar
limpos de qualquer menção a obras, inaugurações, lançamentos de projetos e
demais assemelhados. Sendo que a permissão do artigo 36-A de menção a futuras
candidaturas não atingiu os prefeitos candidatos.
Então o que pode ser divulgado? Essa é a questão ainda muito
pouco debatida, haja vista a nova legislação que amplia o que é permitido na
fase preliminar que antecede a campanha propriamente dita.
O magistrado acima, apenas para ilustrar sua decisão,
refere-se ao permitido nessa fase, sem adentrar em detalhes, afirmando que “apenas e tão somente, afora situações de
necessidade pública, a realização de comunicação institucional obrigatória, que
é aquela relacionada a ato cuja existência no mundo jurídico e produção de
eficácia plena depende da publicação pela administração; e a comunicação
institucional convocatória, que se configura, como diz a própria denominação,
em um chamado ou convocação para a prática de um ato ou participação em
determinado evento” (decisão constante do processo nº 56-42.2016.6.26.0001 –
Juiz Eleitoral Sidney da Silva Braga – 1ª Zona Eleitoral – Bela Vista – São Paulo).
A dificuldade de enquadramento das situações nasce da
jurisprudência do próprio Tribunal Superior Eleitoral. Julgou o TSE, em 2014,
ocasião da campanha de reeleição da presidente da República, que a divulgação,
pelo site de um ministério, da presença de um ministro realizando palestra
pertinente à sua área de atuação, não configura propaganda, tendo, segundo a
jurisprudência da lavra do Ministro do TSE Admar Gonzaga, “caráter informativo, não configurando divulgação de atos de governo”.
Em que pese o ministro de Estado não ser o candidato, existe
um conflito objetivo, pois a realização da palestra não tem as características
exigidas na legislação interpretada pelo magistrado paulistano.
O decisório pesquisado junto ao TSE fala, em muitas
decisões, repetidamente, o que fixa a legislação, no que se refere ao que é
permitido, ou seja, somente seriam admitidas divulgação de fatos graves e
urgentes reconhecidos pela Justiça Eleitoral. O dispositivo final desse
texto abre um leque muito bom, pois admitiria a lei e a jurisprudência, que os
juízes funcionassem como órgãos consultivos do que é permitido e do que é
proibido ser divulgado. A abertura para que a Justiça funcione como consultora
dos governos só reforça o nosso entendimento de que a legislação não fixa, de
forma clara, o que pode e o que não pode.
Uma decisão de 2013 chama muito a nossa atenção e entra em
total contraste com decisões exigindo características de gravidade e urgência
para se permitir a divulgação. Entendeu a Ministra Luciana Lóssio, que “não
configura publicidade institucional, a caracterizar conduta vedada a agente
público, folder de caráter informativo, no qual se limita a noticiar a
realização de edição anual de Feira do Livro no Município, sem qualquer
referência à candidatura”. Aqui o leque foi totalmente aberto. Tomando-se por
base a interpretação da ministra, basta que não se fale no nome do candidato à
reeleição para que não reste configurada a afronta à norma do artigo 73 da Lei
nº 9.504/97 (Agr-Respe nº 52179 – 05/09/2013).
No mesmo sentido encontramos decisão do Ministro do TSE
Fernando Gonçalves de que “não havendo
menção ao nome ou à administração do candidato, mas apenas o apoio da
Prefeitura ao evento - copa de futebol infantil - programada há três anos, não
há falar em conduta vedada prevista no art. 73, da Lei nº 9.504/97” (Resp
nº 35189, de 3/08/2009 – Tribunal Superior Eleitoral).
Outro aspecto observado nas decisões é no que se refere à
necessidade de conhecimento prévio ou autorização do prefeito para a veiculação
das matérias. Apesar de encontrarmos decisão afirmando que a irregularidade só
existiria se o beneficiário tivesse conhecimento prévio dela, podemos assegurar
que a maior parte da jurisprudência é no sentido de que é indiferente para a
caracterização o conhecimento prévio de quem leva vantagens ou se beneficia
daquela divulgação institucional.
Concluímos, portanto, três questões fundamentais acerca do
tema, para responder ao questionado no título:
Primeiro – a legislação brasileira ainda não definiu de
forma objetiva e clara o que é permitido e o que é proibido, capaz de
configurar a conduta vedada do artigo 73, VI, “b” da Lei nº 9.504/97. Assim, o
candidato a reeleição deve agir com total cautela, tendo como primeira medida,
a exclusão, dos sítios institucionais dos órgãos, de qualquer matéria noticiosa
acerca da administração municipal. Mantidos apenas os noticiosos de caráter
informativo, como questões de vacinação, local de funcionamento de unidades de
saúde, assistência social e saúde, além das campanhas necessárias à manutenção
e bom atendimento social da população. Por exemplo, se a prefeitura vai
realizar obra numa determinada rua, sendo necessário o seu fechamento
temporário, tal notícia pode ser veiculada, sem enaltecimento das qualidades da
obra ou da pessoa do gestor, dando à mesma apenas o caráter informativo.
Importante notar que é permitida a propaganda institucional quando o produto
anunciado existe concorrência no mercado.
Dessa conclusão entendemos que podem ser divulgadas
campanhas noticiando vacinação, cobrança de impostos, atendimentos sociais em
projetos preexistentes, situações de emergência e graves (enchentes e secas),
campanhas educativas do trânsito, campanhas informativas sobre a realização de
obras e interrupção de fornecimento de energia, água, trânsito em ruas e
avenidas, campanhas de prevenção de doenças, desde que pré-existentes e
divulgação de funcionamento, como horário e endereço, de serviços novos
prestados aos cidadãos.
Segundo – a Justiça Eleitoral pode ser consultada em casos
de dúvida quanto ao caráter informativo. Observando o noticioso do site do TSE
temos inúmeras decisões dos Ministros daquela corte superior, autorizando a
veiculação de campanhas publicitárias e a divulgação de eventos. Os juízes eleitorais
podem, na conformidade de suas tarefas, receber consultas dos prefeitos,
obviamente que feitas com antecedência e presteza, para que não se cobre dos
magistrados, já assoberbados nesse período, respostas urgentes. Por exemplo, se
a prefeitura vai realizar uma campanha de incentivo ao pagamento do IPTU,
visando fortalecer o pagamento dos tributos, pode submeter ao Juiz da
propaganda eleitoral, da zona eleitoral onde a prefeitura está circunscrita, o
material expositivo que será divulgado. Devendo as assessorias de comunicação
ter em mente que o material não pode promover nenhum tipo de exaltação da
pessoa do Chefe do Executivo, mencionar slogans ou qualquer frase associando o
mandatário àquela ação. Note-se que o aumento da arrecadação é função precípua
do gestor, constante, inclusive, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Terceiro – no que se refere às contas de redes sociais,
estas regras são aplicáveis a contas do Poder Público, não entendo que existam
limites para as contas dos pré-candidatos, nem quando se refere à reeleição.
Isso se aplica quando as contas são geridas pelo próprio Chefe do Executivo ou
assessores pessoais e não quando manejadas por assessores da prefeitura. Esse
material das redes sociais deve ter caráter pessoal do político, nunca
institucional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário