quarta-feira, 1 de abril de 2020

Riscos da contratação emergencial em tempos de pandemia - José Souto Tostes


Há alguns anos acompanho os movimentos dos governos na contratação emergencial. E destaco que tais contratações passam por dois momentos. Um público e conhecido e outro que ninguém fica sabendo, só o gestor. 


O primeiro momento é o da tragédia. Da chuva, da enchente, do desastre geológico, onde os holofotes estão acessos e apontando para as soluções. Todos lembram da tragédia que se abateu sobre a região Serrana do Rio de Janeiro, no mês de janeiro de 2011, onde milhares de pessoas morreram e outras tantas desapareceram, nunca foram encontradas. Essa foi considera uma das maiores tragédias de todos os tempos, no Brasil e no mundo. 


No primeiro momento, decreto de calamidade pública em vários municípios, apoio do governo Federal e Estadual, liberação de recursos, contratações com base nos decretos emergenciais, prestação de serviços por parte de empreiteiros e empresas do ramo de construção. Em alguns meses as cidades foram ganhando ares de normalidade, graças ao trabalho dessa gente. Sem dúvida nenhuma uma calamidade. 


Note-se que nesse caso, o Ministério Público do Estado e forças tarefas do Tribunal de Contas, deram total auxílio no trabalho das prefeituras. O que não é a regra em todos os casos. 


O segundo momento, ninguém viu, não saiu nos jornais. É nele que prefeitos e gestores foram punidos por não cumprirem regras para a contratação emergencial. As punições estão sendo apuradas até hoje, mas muitos gestores já foram condenados a pagar multas ao TCE e no curso de ações de improbidade administrativa, além das ações penais. 


Hoje o Brasil tem regras de contratações emergenciais, acredito que inclusive todos os municípios decretaram situação de emergência ou calamidade. O governo federal editou norma específica para as contratações da União e dos demais entes, por meio da Lei Federal nº 13.979/2020. 


Dela, destaco algumas observações: 


1) Ela autoriza contratações emergenciais somente para itens necessários ao combate do coronavírus. 

2) Ela flexibiliza a contratação entre o órgão público e o terceiro fornecedor, mas sob regras, conforme se depreende da leitura do artigo 4º E, da Lei nº 13.979/20

3) Exige a elaboração de termo de referência ou projeto básico, conforme o caso: 


Art. 4º-E Nas contratações para aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência que trata esta Lei, será admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado. 



Vejam a abrangência desse artigo: contratações somente para itens relativos ao coronavírus, com apresentação de termo de referência e projeto básico, mesmo que simplificados. Significa dizer, que ao se realizarem contratações fundadas na emergência, seus aspectos legais já existentes na lei de licitações (8.666/93), não podem ser desprezados. 


4) A nova lei não afasta a necessidade de comprovação da economicidade, vide o que diz o artigo 4º E, em seu inciso VI. Note que muita gente pode se valer do § 2º, do artigo 4ºE, que diz que excepcionalmente poderia ser dispensada a pesquisa de preços. 



Mas vejamos, fala excepcionalmente sob justificativa. Não pode, por exemplo, avocar que o tempo era curto ou outra “desculpa”. Note o caráter de gravidade da palavra “excepcional”, que significa em casos pontuais e onde, realmente, seja inviável a pesquisa. 


5) As contratações com valores acima do cotado devem ser justificadas, é o que diz o § 3º do artigo 4º E. E as justificativas devem conter elementos capazes de esclarecer o caso, quando, numa segunda etapa, a contratação foi fiscalizada pelos órgãos de controle. Lembre de registrar tudo, até o que hoje pode parecer óbvio e de conhecimento público.


Exemplo do caso do preço acima, juntar cotações de outras empresas. Você cotou um item por R$ 5,00, mas ao contratar a empresa cobrou R$ 7,00. Peça a ela outros contratos no valor de R$ 7,00, peça notas fiscais do fornecedor dela, onde se comprove a majoração de preços. 


A hora de reunir documentos é agora. Pois, como falei da tragédia da região serrana fluminense, muitas vezes o questionamento dos contratos vem anos depois. No caso do interior do Rio de Janeiro, já se passaram mais de 9 anos. 


6) Essas novas regras não são aplicáveis a outros contratos, somente para contratos originários da emergência, no caso, o coronavírus. Mesmo que sejam contratos urgentes e necessários, todo cuidado é pouco. Exemplo a contratação de combustível sob alegação de que os veículos da secretaria de saúde também utilizarão o produto. Não é aplicável. 


O brasileiro gosta de trabalhar com a excepcionalidade. Mas esquece que essa conta lhe será cobrada lá na frente. Não é hora de usar do jeitinho. E note que essa é talvez a primeira emergência decretada nacionalmente. Os abusos tendem a ser macros e eles já estão ocorrendo, haja vista o aumento de preços de itens que estavam no estoque de empresas, que já estavam pagos e faturados e que estão sendo comercializados com reajuste. 


Usemos as facilidades da lei para combater a doença e não para o enriquecimento pessoal de quem quer que seja.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo material, esse assunto é desconhecido creio que 100% dos gestores

    ResponderExcluir