quarta-feira, 29 de agosto de 2018

RISCOS DA CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL


O atraso e a demora do processo licitatório tem sido a justificativa de gestores públicos para a opção por contratar sob o regime de emergência. A alegação é que o bem a ser adquirido ou o serviço a ser contratado é de extrema necessidade e que as circunstâncias fáticas justificam a contratação emergencial.

A análise da lei não está na extrema necessidade. O julgador de contas tem consciência disso. Mas não é o bastante para se justificar o acatamento da contratação emergencial.

Tomemos como exemplo o pneu de uma ambulância que é utilizada para transportar pacientes enfermos. Ela é extremamente importante e necessária. A administração, em alguns casos, sequer tem outro veículo que possa prestar os mesmos serviços. Só que este fato por si só, ou seja, a constatação de que ela é necessária e não se pode prescindir de seu uso, não é justificativa para o acatamento da contratação emergencial.

O entendimento do TCU é no sentido de que a ambulância pode até ser suprida por pneus sob a égide do que dispõe o artigo 24, IV, porém, necessário que se apure a responsabilização de quem deu causa à falta de planejamento, incumbindo-se o gestor, de promover a reparação e punição deste.

Vide a jurisprudência daquela corte de contas, no Acórdão 1842/2017, Ministro Vital do Rego:

14.A jurisprudência do TCU é pacífica acerca da possibilidade da contratação por dispensa de licitação com base no art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993, ainda que a emergência decorra da falta de planejamento, inércia administrativa ou da má gestão dos recursos púbicos, sem prejuízo da responsabilização dos gestores que não providenciaram, tempestivamente, o devido processo licitatório.

Esse entendimento protege o gestor na medida que ele determina a apuração. Omitindo-se, poderá ser responsabilizado em face da contratação irregular.

Ainda sobre este aspecto, alerto, que não basta a ocorrência da situação fática, a justificar a contratação. Imperioso que todos os fatos caracterizadores da emergência e da dificuldade de contratação pelos meios próprios, estejam devidamente comprovadas e documentadas nos autos que ensejaram o contrato por emergência.

Por mais que seja evidente, objetivo e claro como a luz do sol, a ocorrência da necessidade daquele bem ou serviço, imprescindível que tudo isso fique noticiado nos autos, por meio de documentos, despachos, notícias e até depoimentos.

Outra medida que certamente reduziria o impacto na responsabilização de um ato desses, é a imediata instauração do procedimento licitatório visando a obtenção de contrato, por vias normais, do mesmo bem ou serviço, caso o mesmo seja de uso ou necessidade contínua, como é o caso dos pneus da ambulância. Ou, in casu, também pode ser comprovado a abertura de procedimento licitatório e este não findou-se por dificuldades no mercado que fornece aquele produto. Mas não basta que isso tenha ocorrido, imprescindível que esteja noticiado e documentado nos autos.

No caso do processo acima transcrito, em curso no TCU, apesar das considerações que reproduzimos, outros aspectos levaram a corte de contas julgar como irregular a contratação que analisava. O relator do processo entendeu que o gestor era sabedor da situação que causou a contratação emergencial e não tomou, a seu tempo, as providências visando repará-lo.

Vale a reprodução do texto:
17.Em sua manifestação, o Sr. [responsável 1] afirma que, após iniciada a sua gestão, foram constatadas diversas irregularidades no contrato então vigente, firmado com a [empresa 1], ora representante, razão pela qual deu início a procedimentos de glosa de pagamentos.
18.Tal alegação reforça o entendimento de que os problemas no contrato então vigente, detectados muito antes da data final de expiração, reclamavam a devida atenção no sentido de sua substituição tempestiva. A despeito de o responsável alegar as mencionadas irregularidades e também a fragilidade do modelo daquele contrato, baseado em pagamentos mensais fixos, não foram colacionados argumentos suficientes que justificassem a demora na definição do novo modelo de contratação e a realização de nova licitação a tempo, com a consequente utilização de procedimento de dispensa.
A análise da contratação emergencial é dada sob os aspectos que envolvem o caso em concreto. Não pode ocorrer de forma superficial, nem desprezando informes que possam descaracterizar a emergência.
Aliás, independente das decisões das cortes de contas, a análise fria da palavra emergência, por si só, já afasta a contratação por desídia e falta de planejamento. Emergência é algo inesperado. A inspiração da lei foram as ocorrências de catástrofes, tragédias e atos imprevistos, que o gestor, ao tempo da contratação emergencial, não poderia imaginar que ocorreria.
Ainda analisando o caso da ambulância, é claro e cristalino, que os pneus têm vida útil reduzida, desgastando-se com o uso contínuo. Ao gestor, incumbe o planejamento visando adquirir tais produtos, a tempo de substituí-los no tempo certo.
Investir em planejamento é imprescindível para qualquer gestão que preze ser eficiente e atenta aos preceitos legais. Vide decisão do TCU, aqui.

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